segunda-feira, 6 de janeiro de 2014



A verdadeira Natureza do Processo
José Amado
O capitalismo, como ordem econômica, incia-se com a industrialização, como a formação de capital fixo. Identifica-se a Inglaterra como o berço da industrialização e consequentemente do capitalismo. Não é difícil perceber, numa perspectiva histórica, que a industrialização, não só apresentava, em seus primórdios, uma mudança nas relações sociais prevalecentes e herdada da sociedade feudal, como impõe, até para sua própria sobrevivência, mudanças profundas na realidade social, promovendo uma verdadeira e drástica ruptura como o passado.

A sociedade pré-industrial caracterizava-se pela baixa formação de capital fixo, baixa produtividade e diversidade de bens, baixa concentração de capital e de mão-de-obra e baixa circulação de bens, isso, quando limitamos, apenas, a uma observação a ordem econômica. Mas, quando se amplia essa visão, irá se constatar grandes e profundas mudanças na ordem social e urbana, no estilo e qualidade de vida. Foram mudanças que devem ser consideradas como causa e efeito da nova ordem econômica, exigindo um novo pacto e consolidando uma nova forma de convivência social, onde se destaca e se deixa perfeitamente identificada a existência de duas classes sociais: a do capitalista - proprietário dos bens de produção e do trabalhador - aquele que vende sua força de trabalho.

Alguns autores entendem que essa nova ordem social permitiu, quando comparada as anteriores, uma maior mobilidade social. Essa é uma realidade que só se vai observar um pouco mais á frente no capitalismo moderno pois, no princípio do capitalismo o que se observa é uma exploração desumana da força de trabalho que, por sua crueldade, ensejou o surgimento do socialismo e, o avanço que hoje se observa, em termo de uma ordem mais humana na relação capital/trabalho deveu-se, por inspiração socialista, à luta da classe trabalhadora e, impõe que se destaque o papel assumido pelo Estado moderno no entendimento de que é sua responsabilidade pela ordem social e a compreensão da necessidade de regulação das forças econômicas, que se move, exclusivamente, pelo lucro, pois é ele que realimenta o sistema, promovendo o crescimento, mas concentrando riqueza que, como um efeito colateral e quando orientado pela força do Estado, pode beneficiar a sociedade, proporcionando o bem-estar social.

O desenvolvimento econômico, entendido este como crescimento com bem-estar social, decorre também da compreensão da classe trabalhadora de sua importância vital a sobrevivência da ordem econômica, portanto do capitalismo, não apenas como uma força produtiva, mas também como consumidor, sem o qual não existe o mercado, centro, origem e razão da existência do capitalismo e, se não da compreensão, ao menos do convencimento, pelo próprio instinto de sobrevivência do capitalista, de que não basta apenas garantir a reprodução da força de trabalho, para se obter uma taxa crescente de lucratividade, não teria a classe trabalhadora melhoria de suas condições de vida e não teria o capitalismo constituído-se no sistema de organização econômica que se impôs como modelo de eficiência malgrado suas crises cíclicas.

A mobilidade social que se observa hoje, não é, como destacam alguns autores, uma benesse do capitalista, mas um expurgo orgânico do sistema que, se não o tem como princípio, aceita-o como condição necessária e essencial para sua perpetuação. Observa-se que o primeiro a entender a necessidade dessa folga no eixo que gira o capitalismo foi o Estado; primeiramente, mas com muito retardo, regulamentando o trabalho, criando uma rede de proteção ao trabalhador e num segundo momento, também com um certo atraso, democratizando o ensino e aprendizado e investindo e induzindo, com benesse fiscal, o investimento em ciência e tecnologia.

Observa-se que todas essas ações têm por objetivo a manutenção e o crescimento do sistema capitalista de produção e que os benefícios à classe trabalhadora, quando ocorrem, ocorrem marginalmente, como um subproduto do crescimento econômico. Afirmar que o capitalismo democratizou o acesso à riqueza é de uma boa vontade que chega a surpreender o mais radical propagandista do sistema e de que foi superado o determinismo- nasce pobre morre pobre - absolutamente não, essa continua sendo a regra, os casos diferentes são exceções à regra. A probabilidade de alguém de origem pobre alcançar fortuna, riqueza é, ainda, muito baixa. Não é da essência do capitalismo a distribuição da riqueza, mas a concentração e, consequentemente, desigualdade social é um destino no capitalismo. Sempre haverá desigualdade social, evidentemente, num nível mais elevado em termos de qualidade de vida, em função do próprio progresso, que não é algo exclusivo da sociedade capitalista mas da sociedade de modo geral. Numa visão historicista pode se afirmar que o progresso não só antecedeu à revolução industrial, como contribuiu para que ela ocorresse na Europa que, enriquecida com a exploração das terras americanas, com razoável nível de comércio alcançado entre suas cidades e com a tradição romana do direito a propriedade, oferecia um ambiente propício ao surgimento e à manutenção do que veio a se chamar de revolução industrial.

O que se destaca, o que se observa é que essa melhoria na qualidade da vida trazida pelo progresso que, como dizia Spencer faz parte da natureza humana e engloba, abrange a sociedade de modo geral, não distinguindo classe social, beneficiando tanto o capitalista como o trabalhador. Mas isso não pode e nem deve ser entendido como um fenômeno do modelo capitalista de produção. Não obstante entender-se que a industrialização amplia, estende esse progresso, ele é latente na sociedade, não deixando de ser também, essencial para o seu fortalecimento e expansão do capitalismo. Sem melhoria na qualidade de vida, não há ampliação de mercado e, sem essa ampliação de mercado, cumpriria-se o vaticínio de Marx de que o capitalismo traz em si o próprio verme de sua destruição. Quando e onde isso não ocorre, o sistema, o modelo entra em crise, entra em depressão.

O progresso, portanto, é essencial e inerente à sustentação e à evolução do modelo capitalista de produção. Mas o progresso é hoje, também, visto pelo ecologistas como o responsável pelos grandes desastres naturais que tem sofrido a humanidade. Há alguns que chegam a defender, como os que fazem o Clube de Roma, o “crescimento zero” e que vêem no progresso impulsionado pelo crescimento industrial, como um grande mau para humanidade. A verdade é que não há produção sem que não haja algum dano ao meio-ambiente. Sendo evidente, também, que se pode produzir com responsabilidade, reduzindo ao máximo o dano ambiental. Entretanto, é ingênuo esperar que essa responsabilidade ecológica floresça, naturalmente, na consciência do capitalista. Isso não acontecerá tão facilmente, porque, a preservação ambiental representa para indústria, para empresa, elevação de custo de produção e, em se desejando manter a taxa de lucratividade, eleva-se os preços e, em elevando os preços, perde-se competitividade. Isso vale tanto para empresa, com para o pais. Logo, a responsabilidade ecológica é uma postura a ser compartilhada em igual grau e na mesma intensidade por todos os países do mundo capitalista pois, no mundo dos negócios, a competitividade é a essência e, nenhuma empresa ou pais quer perder a condição de competir.

Pelo que se destaca, o Estado, mais uma vez, como já ocorreu na relação capital/trabalho, impõe que se instrumentalize para, desta vez, mediar a relação capital/natureza, uma mediação muito mais complexa por envolver agentes soberanos e interesses mundiais. De que instrumentos necessitará o Estado para, num primeiro momento, equacionar os problemas em suas próprias fronteiras e “exigir” dos demais países medidas de ações efetivas ou compensatórias, porque, no final, passa a ser uma relação de competitividade comercial?
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- José Rodrigues Amado – Economista, ex-presidente do Conselho Regional de Economia e Prof: Universitário.