A
verdadeira Natureza do Processo
José
Amado
O capitalismo, como ordem econômica, incia-se com a
industrialização, como a formação de capital fixo. Identifica-se
a Inglaterra como o berço da industrialização e consequentemente
do capitalismo. Não é difícil perceber, numa perspectiva
histórica, que a industrialização, não só apresentava, em seus
primórdios, uma mudança nas relações sociais prevalecentes e
herdada da sociedade feudal, como impõe, até para sua própria
sobrevivência, mudanças profundas na realidade social, promovendo
uma verdadeira e drástica ruptura como o passado.
A sociedade pré-industrial caracterizava-se pela baixa formação
de capital fixo, baixa produtividade e diversidade de bens, baixa
concentração de capital e de mão-de-obra e baixa circulação de
bens, isso, quando limitamos, apenas, a uma observação a ordem
econômica. Mas, quando se amplia essa visão, irá se constatar
grandes e profundas mudanças na ordem social e urbana, no estilo e
qualidade de vida. Foram mudanças que devem ser consideradas como
causa e efeito da nova ordem econômica, exigindo
um novo pacto e consolidando
uma nova forma de convivência social, onde se destaca e se deixa
perfeitamente identificada a existência de duas classes sociais: a
do capitalista - proprietário dos bens de produção e do
trabalhador - aquele que vende sua força de trabalho.
Alguns autores entendem que essa nova ordem social
permitiu, quando comparada as anteriores, uma maior mobilidade
social. Essa é uma realidade que só se vai observar um pouco mais á
frente no capitalismo moderno pois, no princípio do capitalismo o
que se observa é uma exploração desumana da força de trabalho
que, por sua crueldade, ensejou o surgimento do socialismo e, o
avanço que hoje se observa, em termo de uma ordem mais humana na
relação capital/trabalho deveu-se, por inspiração socialista, à
luta da classe trabalhadora e, impõe que se destaque o papel
assumido pelo Estado moderno no entendimento de que é sua
responsabilidade pela ordem social e a compreensão da necessidade de
regulação das forças econômicas, que se move, exclusivamente,
pelo lucro, pois é ele que realimenta o sistema, promovendo o
crescimento, mas concentrando riqueza que, como um efeito colateral e
quando orientado pela força do Estado, pode beneficiar a sociedade,
proporcionando o bem-estar social.
O desenvolvimento econômico, entendido este como crescimento
com bem-estar social, decorre também da compreensão da classe
trabalhadora de sua importância vital a sobrevivência da ordem
econômica, portanto do capitalismo, não apenas como uma força
produtiva, mas também como consumidor, sem o qual não existe o
mercado, centro, origem e razão da existência do capitalismo e, se
não da compreensão, ao menos do convencimento, pelo próprio
instinto de sobrevivência do capitalista, de que não basta apenas
garantir a reprodução da força de trabalho, para se obter uma
taxa crescente de lucratividade, não teria a classe trabalhadora
melhoria de suas condições de vida e não teria o capitalismo
constituído-se no sistema de organização econômica que se impôs
como modelo de eficiência malgrado suas crises cíclicas.
A
mobilidade social que se observa hoje, não é, como destacam alguns
autores, uma benesse do capitalista, mas um expurgo orgânico do
sistema que, se não o tem como princípio, aceita-o como condição
necessária e essencial para sua perpetuação. Observa-se que o
primeiro a entender a necessidade dessa folga no eixo que gira o
capitalismo foi o Estado; primeiramente, mas com muito retardo,
regulamentando o trabalho, criando uma rede de proteção ao
trabalhador e num segundo momento, também com um certo atraso,
democratizando o ensino e aprendizado e investindo e induzindo, com
benesse fiscal, o investimento em ciência e tecnologia.
Observa-se que todas essas ações têm por objetivo a
manutenção e o crescimento do sistema capitalista de produção e
que os benefícios à classe trabalhadora, quando ocorrem, ocorrem
marginalmente, como um subproduto do crescimento econômico. Afirmar
que o capitalismo democratizou o acesso à riqueza é de uma boa
vontade que chega a surpreender o mais radical propagandista do
sistema e de que foi superado o determinismo- nasce pobre morre
pobre - absolutamente não, essa continua sendo a regra, os casos
diferentes são exceções à regra. A probabilidade de alguém de
origem pobre alcançar fortuna, riqueza é, ainda, muito baixa. Não
é da essência do capitalismo a distribuição da riqueza, mas a
concentração e, consequentemente, desigualdade social é um destino
no capitalismo. Sempre haverá desigualdade social, evidentemente,
num nível mais elevado em termos de qualidade de vida, em função
do próprio progresso, que não é algo exclusivo da sociedade
capitalista mas da sociedade de modo geral. Numa visão historicista
pode se afirmar que o progresso não só antecedeu à revolução
industrial, como contribuiu para que ela ocorresse na Europa que,
enriquecida com a exploração das terras americanas, com razoável
nível de comércio alcançado entre suas cidades e com a tradição
romana do direito a propriedade, oferecia um ambiente propício ao
surgimento e à manutenção do que veio a se chamar de revolução
industrial.
O que se destaca, o que se observa é que essa melhoria
na qualidade da vida trazida pelo progresso que, como dizia Spencer
faz parte da natureza humana e engloba, abrange a sociedade de modo
geral, não distinguindo classe social, beneficiando tanto o
capitalista como o trabalhador. Mas isso não pode e nem deve ser
entendido como um fenômeno do modelo capitalista de produção. Não
obstante entender-se que a industrialização amplia, estende esse
progresso, ele é latente na sociedade, não deixando de ser também,
essencial para o seu fortalecimento e expansão do capitalismo. Sem
melhoria na qualidade de vida, não há ampliação de mercado e,
sem essa ampliação de mercado, cumpriria-se o vaticínio de Marx de
que o capitalismo traz em si o próprio verme de sua destruição.
Quando e onde isso não ocorre, o sistema, o modelo entra em crise,
entra em depressão.
O progresso, portanto, é essencial e inerente à
sustentação e à evolução do modelo capitalista de produção.
Mas o progresso é hoje, também, visto pelo ecologistas como o
responsável pelos grandes desastres naturais que tem sofrido a
humanidade. Há alguns que chegam a defender, como os que fazem o
Clube de Roma, o “crescimento zero” e que vêem no progresso
impulsionado pelo crescimento industrial, como um grande mau para
humanidade. A verdade é que não há produção sem que não haja
algum dano ao meio-ambiente. Sendo evidente, também, que se pode
produzir com responsabilidade, reduzindo ao máximo o dano ambiental.
Entretanto, é ingênuo esperar que essa responsabilidade ecológica
floresça, naturalmente, na consciência do capitalista. Isso não
acontecerá tão facilmente, porque, a preservação ambiental
representa para indústria, para empresa, elevação de custo de
produção e, em se desejando manter a taxa de lucratividade,
eleva-se os preços e, em elevando os preços, perde-se
competitividade. Isso vale tanto para empresa, com para o pais. Logo,
a responsabilidade ecológica é uma postura a ser compartilhada em
igual grau e na mesma intensidade por todos os países do mundo
capitalista pois, no mundo dos negócios, a competitividade é a
essência e, nenhuma empresa ou pais quer perder a condição de
competir.
Pelo que se destaca, o Estado, mais uma vez, como já
ocorreu na relação capital/trabalho, impõe que se instrumentalize
para, desta vez, mediar a relação capital/natureza, uma mediação
muito mais complexa por envolver agentes soberanos e interesses
mundiais. De que instrumentos necessitará o Estado para, num
primeiro momento, equacionar os problemas em suas próprias
fronteiras e “exigir” dos demais países medidas de ações
efetivas ou compensatórias, porque, no final, passa a ser uma
relação de competitividade comercial?
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- José
Rodrigues Amado – Economista, ex-presidente do Conselho Regional
de Economia e Prof: Universitário.
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